quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Reminiscências de um planejador financeiro, ex funcionário do Banco Itaú



Louis Frankenberg,CFP®
02-11-2011

Experiências e lembranças (boas e más) não são compradas ou vendidas, são adquiridas  aos poucos e ao longo do tempo.
O momento histórico atual em nosso país e no mundo inteiro, com suas oscilações tanto positivas quanto negativas, são bastante apropriadas  para relembrar alguns flashes  do currículo profissional do  meu passado distante e que a seguir passo a relatar. Espero que possam inspirar a vocês amigos leitores.
Comprovam mais uma vez que ninguém é dono da verdade ou tem predicados excepcionais  que o qualificam para  determinar quando a próxima crise econômica ou financeira  vai eclodir e nem quando ela terminará. Também não fornece indicativos quanto ao nosso próprio futuro. 
Esta minha inexpressiva história pregressa  ou pelo menos alguns tópicos da mesma,  talvez sirvam aos jovens e mais experientes  leitores   para concordarem comigo de que  nem o melhor “futurólogo” ou “adivinho” sabe como os mercados financeiros em geral e os mercados acionários em particular irão se comportar daqui a uma semana, daqui a um mês ou mesmo  daqui a um ano!
Crises pessoais e crises institucionais virão e  terminarão  e a vida constantemente nos  reservará  surpresas inexplicáveis.
Perante a imensa vastidão do universo somos apenas insetos errantes, almejando acertar e nos dar bem, porém sempre sofrendo pequenos e grandes percalços. É tudo  conseqüência  da  nossa mera condição de seres humanos.

Estávamos no 4º trimestre do ano 1970. Eu havia sido contratado pelo então Diretor Geral do Banco Itaú, o Eng. Olavo Setubal para delinear novos produtos financeiros  que seriam desenvolvidos pelo então  grupo industrial financeiro Itaú. 
Na época o Itaú ainda era chamado de Banco Itau América devido a uma recente fusão que havia sido negociada fazia poucos meses.
Para adaptar o Fundo Itaú de Ações à nova legislação do Banco Central, o Eng Olavo Setubal desejava imediatamente criar um produto que na época seria considerado bastante inovador e, simultaneamente, treinar  novas equipes de agentes autônomos e os próprios gerentes das agências bancárias, para venderem uma espécie de plano previdenciário complementar.
Eu havia adquirido este expertise no Brasil e no exterior e por isso fui escolhido para liderar o projeto.
O produto arquitetado por mim  poder-se-ia chamar de uma primitiva versão e  portanto predecessor do     atual “PGBL”, hoje em dia muito  difundido.  
Resumindo o período prévio entre o planejamento, preparação e execução, minha criação foi denominada de “ECO”, ou seja “Economia Crescente Organizada”,   conjugando uma aplicação mensal por 60 meses no Fundo Itaú de Ações  com  um Seguro de Vida que estava embutido na estrutura do produto à quem não sobrevivesse aos 5 anos de sistemáticas contribuições mensais.
Concluída a estruturação do projeto, recebi o honroso título de Gerente Geral de Vendas para todo o país da Distribuidora de Valores do Grupo Itaú e simultaneamente era funcionário categorizado do  próprio Banco.
Produzi extenso material educacional e apostilhas a respeito do que era um Fundo de Investimento em Ações e  me dediquei também a treinar  múltiplas equipes que iriam colocar o novo produto junto ao grande público e clientes do  próprio banco.
Já naquela época  longínqua eu dava enorme importância ao  relacionamento e conhecimento profundo dos objetivos do  cliente  em relação ao intermediário  financeiro. Eu já praticava e transmitia aos meus subordinados o tal de “Behaviour Finance” (Finanças Comportamentais) dos dias de hoje.
O início do lançamento solene foi precedido de uma convenção nacional dirigido pelo próprio Olavo Setubal e na qual eu seria a estrela principal que iria expor à todos como funcionava o plano “ECO”.   Compareceram à solenidade  dirigentes e gerentes de agências de todo o país.
Estávamos no Brasil vivendo o 1º período de grande euforia bolsista pós revolução de 1964 e as ações das empresas de capital aberta então existentes, estavam subindo interruptamente.  Como profissional calejado e conhecedor de planejamento financeiro e de como funcionavam os fundos de investimento da Europa e dos Estados Unidos, eu sabia também (e muito bem por já ter me queimado anteriormente) que Bolsas de Valores que muito rapidamente subissem, poderiam também cair ainda mais aceleradamente...
Quem na época tinha algum dinheiro no Brasil investia na Bolsa e muita gente boa chegou a vender a sua própria moradia para tentar a sorte com ações, seja diretamente ou através dos Fundos de Ações das inúmeras instituições financeiras existentes. 
A própria mídia escrita, falada e televisiva concorria com a fama cada maior dos ganhos fáceis, através de histórias mirabolantes que, apenas ajudavam na criação de cada vez maior especulação e... falcatruas.  O nosso país tinha se transformado em um imenso cassino.
Para ilustrar o clima reinante explico como os fajutos agentes autônomos da época, mas igualmente inúmeros profissionais que atuavam nas Corretoras de Valores, conseguiam ludibriar os incautos,  ingênuos e gananciosos investidores.
Profissionais que estes intermediários aparentavam ser, (na realidade eram apenas aproveitadores)   explicavam aos interessados como era o funcionamento da Bolsa de Valores e como seria possível ganhar muito dinheiro em pouco tempo.
Eles tinham suficiente lábia e argumentação para convencer as pessoas  de que era muito mais fácil ganhar dinheiro com ações do que com a caderneta de poupança ou mesmo imóveis...
A seguinte era uma das histórias contadas a respeito dos intermediários malandros que então abundavam por toda parte e que igualmente viajavam em caravanas para o interior do país, convencendo industriais, comerciantes e fazendeiros, das vantagens de investir na Bolsa e dando explicações   pseudo técnicas a respeito do curto, médio e longo prazo .
De acordo com estes malandros, curto prazo era investir por dois dias, médio prazo era investir por uma semana e longo prazo se resumia a um mês de aplicações...
Na realidade nem todos os grupos financeiros trabalhavam como na história que acabei de contar.  
Eu havia aceito trabalhar no Banco Itaú porque sentia absoluta seriedade dos executivos do grupo  e compreendia que a Direção Geral  tinha sérias intenções em criar uma organização de administração e de vendas, qualificada profissional e eticamente.
Foi nestas condições que iniciamos o treinamento de todos os envolvidos na elaboração e colocação do plano “ECO”.
Eu submetia todos os agentes autônomos  a rígidos testes e controles de admissão  para não ter futuros  problemas  com a clientela do Itaú devido alguma  dúbia interpretação dos  objetivos e  limitações do novo produto  de renda variável.
Foi a partir daquele momento que comecei a ter sérios atritos com um diretor que hierarquicamente estava acima de mim mas que não tinha a mínima experiência com Bolsas de Valores e Fundos de Ações.    Passei inclusive a sofrer pressão por parte dele, para admitir pessoas nos grupos de agentes autônomos e respectivas chefias que não tinham a mínima condição qualificativa para serem “planejadores financeiros” dignos desta função.    
Além do fato de não querer admitir representantes com passado duvidoso,  eu argumentava  com aquele mesmo diretor de que desejava  treinar os próprios Gerentes do Banco e igualmente aos Agentes Autônomos  ligadas à  nossa Distribuidora de Valores, para quando a Bolsa de Valores porventura  sofresse alguma   brusca queda futura mais rigorosa.
Eu já imaginava de que aquele oba oba e euforia sem limites, em algum momento futuro poderia  acabar em decepções e grande desespero.
O principal argumento a favor da minha argumentação e dentro da lógica era de que o plano “ECO” havia sido planejado para 60 meses ou  seja 5 anos e, caso o mercado sofresse uma brusca queda, os clientes não deveriam  interromper seus planos ou mesmo resgatá-los antecipadamente, pois iriam adquirir maior quantidade de cotas dos fundos e isto traria melhor resultado futuro para eles.
O diretor não queria saber de nada e contra argumentava de que eu não deveria introduzir idéias pessimistas  e negativas quanto a  uma eventual queda do preço das ações ou cotas...
Dito e feito, ao final do ano de 1972 o mercado  reverteu o ciclo e desmoronou, caindo em enorme depressão que acabou se prolongando por  alguns anos.
Em parte culpo ao dito diretor pelo desmantelamento  que em seguida ocorreu à nossa Distribuidora de Valores, o que me impediu de preventivamente ensinar ao público investidor de como aplicar no longo prazo.
Culpo também  à ganância e  a falta de escrúpulos dos inúmeros corretores de valores existentes na época, que somente pensavam em si mesmos e sequer pensavam em ajudar a criar um mercado acionário forte e estável em nosso país.
Até hoje lamento minha precipitada saída do Banco Itaú, pois fui vítima da incompetência de um diretor que jamais deveria ter tido aquele cargo elevado sem ter um mínimo de conhecimento prático.  
Eu pressentia já naquela época que o grupo Itaú, estava construindo um empreendimento sobre alicerces sólidos e duráveis pela postura que assumiu sob a direção do Eng. Olavo Setubal.
Tive entretanto uma pequena grande satisfação dentro da profunda tristeza que acalentava por ter deixado o banco.
Quando o mercado se encontrava ainda no auge da elevação das cotações, um dia o chefe do Departamento Administrativo da nossa Distribuidora de Valores, entrou na minha sala e pediu para eu aconselhá-lo. Ele então me relatou que havia recebido uma bolada bastante significativa em dinheiro através do FGTS, na ocasião  de ter deixado anteriormente outra posição dentro do  próprio Banco  Itaú.   
Sua pequena fortuna estava investido em cotas do Fundo Itaú de Ações. Seu lucro superava os 200% (posso estar enganado na exatidão do percentual). A dúvida era; o que ele deveria fazer, pois enquanto estava exultante com o fabuloso lucro que em pouco tempo havia obtido, ao mesmo tempo sonhava em ter seu 1º carrinho, um Fusca novinho em folha, ano 1.972 (lembro que o valor de um Fusca     equivalia na época a aproximadamente 5.000 dólares e naquele momento ele possuía o dobro deste valor em cotas no Fundo).
Eu lhe expliquei em detalhe o porque da minha apreensão quanto a continuada  ascenção do mercado acionário e o aconselhei a adquirir o Fusca com o lucro que havia obtido e deixando o restante para o que desse e viesse... Foi o que ele fez.
Os anos passaram e apesar da bela carreira que certamente eu teria tido,  não me arrependi da  iniciativa que tomei ao sair  voluntariamente  do Itaú e me tornar um planejador financeiro independente.
Continuo sendo um fiel cliente e admirador do grupo Itaú e  anos mais tarde até me tornei um consciente acionista.
Pelos anos afora acompanhei  de perto a evolução constante do grupo, convertendo-se hoje no gigantesco Itaú-Unibanco.
Por que estou contando esta história?
Porque dia destes escutei  que  uma  nova campanha publicitária do Banco Itaú   estava sendo  veiculada na qual   era reforçada uma mensagem  básica de que  os Gerentes de Relacionamento deveriam de agora em diante não mais promover apenas os produtos do grupo, mas auscultar principalmente qual o produto  ou serviço que se adaptasse aos desejos e objetivos de cada cliente.   
Era exatamente aquele meu intuito  e meta ao treinar os gerentes e agentes autônomos do grupo  Itaú naqueles longínquos  anos de 1970, 1971 e 1972 e a principal razão de os ter denominado  de  “planejadores financeiros”.
Jamais eu poderia ter imaginado que no ano de  2.002   eu me tornaria o Fundador e 1º Presidente do “IBCPF”, Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros, afilhado brasileiro do “FPSB”, Financial Planning Standards Board”, representando atualmente  no  mundo inteiro mais de 140 mil Planejadores Financeiros.
Nesta multidão de “Planejadores Financeiros Certificados”  ou seja “CFP’s”, 186 pertencem ao Grupo  Financeiro Itaú-Unibanco, inclusive eu...

Homenagem
Fui admitido em Outubro de 1970 no então Banco Itaú-América pelo Dr.Alex Cerqueira Leite Thiele, Gerente Geral de Desenvolvimento do Grupo, na época um entre os sete cargos executivos mais altos  do banco.
Ele havia me submetido a testes psicológicos etc. e levou meu nome ao Eng. Olavo Setubal  que igualmente me aprovou.
Durante a minha relativa curta  permanência no Itaú, mantive com Alex uma excepcional  e profunda  relação profissional e humana.
Minha maior tristeza ao deixar o banco foi perder contato com o mesmo. No decorrer da minha estadia tivemos profundas conversas filosóficas e  muito aprendi  com ele.
Guardo com muito carinho a extensa e excepcional carta de recomendação que ele me deu quando saí, no qual expressou a admiração que sentia por mim e que através dessa homenagem  posterior estou  retribuindo.


Louis Frankenberg,CFP®  01-11-2011

 







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